quinta-feira, 30 de junho de 2016

O Jantar

O dia amanheceu nublado. Vera olhava pela janela e não percebeu a chegada de sua irmã. Sandra tocou-lhe no ombro e disse:
- Onde você estava? Estou falando, falando e você não me responde.
- Desculpe Sandra, eu estava distraída.
- Distraída? Você estava a quilômetros daqui. Vamos lá minha irmã  diga o que a está preocupando.
- É coisa minha.
- Vera moramos juntas a tempo suficiente para eu saber que “é coisa minha” é algo que você quer contar mas está com receio da minha opinião. Vamos lá, você vai falar ou eu vou adivinhar?
- Não dá pra esconder nada de você não é mesmo?
- Vera você é quase transparente e aposto que esse ar de desamparo tem a ver com o convite para o jantar de encontro da turma da faculdade. Acertei?
- Ar de desemparo? Você não acha que está exagerando?
- Não Vera, é só olhar pra você. Você já resolveu se vai?
- Não.
- Por que não?
- Porque não sei quem vou encontrar, a formatura foi a tanto tempo e você sabe como foi difícil pra mim.
- Vera, pelo amor de Deus. Na formatura você tinha vinte e três anos, hoje  é uma médica bem sucedida, fez vários cursos, tem um trabalho reconhecido e um belo cargo num dos hospitais pais requisitados deste pais. Por que essa insegurança?
- Não sei, quando me lembro do passado...
- Vera você está com medo de rever o Luiz Otávio? Eu não acredito nisso.
- Sandra para você é bobagem, mas para mim não.  Eu estava apaixonada, nosso namoro ia bem até aparecer aquela tal de Cláudia, e você sabe o resto da história.
- Sim eu sei, aquele idiota deixou você plantada no baile por causa da tal de Cláudia. Vera, francamente, você é uma mulher bonita, uma profissional competente, com uma carreira brilhante e se deixando levar por um engano do passado, por uma pessoa que todos sabiam que não te dava valor. Você deixou essa dor ficar ai dentro por vinte anos Vera? Eu não posso acreditar.
- Sandra eu não preciso que você acredite ou não é a minha vida e você não tem nada com isso.
- Talvez eu não tenha mesmo nada a ver com isso. Agora ver a minha irmã mais velha sozinha, triste, se matando de trabalhar, sem aproveitar um pouco que seja da vida, isso é da minha conta sim. Você tem que ir a essa jantar para exorcizar esse fantasma. Para encontrar a alegria que você deixou esquecida naquele baile. Minha irmã você precisa acordar e viver. A vida é preciosa demais para ser colocada de lado porque um amor não deu certo. Você ficou sozinha esses anos todos sem dar chance a nenhum homem de conhece-la, de que vissem a pessoa maravilhosa que você é. Isso, que você queira ou não, é sim da minha conta. E eu vou fazer de tudo para você ir a esse jantar.
Vera ia retrucar mas a chegada de Paulo, marido de Sandra, não lhe deu tempo.
- Boa tarde meninas, interrompo?
- Não Paulo, mas você pode me ajudar a por um pouco de juízo na cabeça dessa minha irmã.
- Juízo na cabeça da Vera? Sandra o que deu em você?
- Eu quero que ela vá ao jantar de reencontro da turma de medicina e ela não quer porque teme encontrar o Luiz Otávio.
- Sandra agora você foi longe demais. Envolver o Paulo nos meus assuntos pessoais é inadmissível. Eu vou para o hospital e quando eu voltar não quero falar mais nesse assunto. Não vou e acabou, espero que tenha ficado bem claro para você.
Vera saiu batendo a porta, coisa que ela não costumava fazer. Paulo questionou a esposa:
- Sandra o que você fez?
- É uma longa história.
- Então venha cá e me conte, tenho todo tempo do mundo e gosto muito da irmã. Não quero que vocês briguem por uma bobagem.
Sandra então contou ao marido o que havia acontecido no baile de formatura da irmã.
- Sandra se isso foi tão difícil pra Vera, porque você quer que ela vá a esse jantar?
- Por que ela se isolou do mundo. Paulo estamos casados a cinco anos, a Vera mora aqui conosco a dois anos. Qual foi a última vez que você a viu sair para dar um cinema com amigos, ou mesmo sair conosco para um barzinho?
- É mesmo, você sabe que eu não tinha reparado nisso.
- Aí é que está, todos estamos acostumados a ela entrar e sair, de uniforme para ir ao hospital, para atender algum paciente em casa, para um curso novo, para um congresso, mas nunca para um passeio.
- E você acha que tudo isso é por causa de um cara que ela namorou na faculdade?
- Tenho certeza, toda vez que toco no assunto ela se irrita  e diz que não é da minha conta. Eu converso com algumas enfermeiras lá do hospital e elas são unanimes: a Vera não aceita nenhum convite para sair principalmente ser for de algum médico. Sabe qual é a desculpa dela?
- Já posso imaginar.
- Exatamente: ela está temporariamente morando conosco e não quer atrapalhar a nossa rotina, ou então vai ficar com as crianças para nos podermos sair. Eu quero apenas que ela viva um pouco fora da profissão. Que encontre alguém que a mereça e a faça feliz.
- Tem alguma coisa que eu possa fazer? Eu gosto muito da Vera. É a irmã que eu não tive.
- Não Paulo, eu vou continuar insistindo. O jantar é no dia 28, faltam dez dias, quem sabe até lá eu consigo dobrá-la.
- Está bem Sandra, não vou interferir. Ela é sua irmã, você a conhece melhor do que eu. Se houver uma chance, por menor que seja eu falo alguma coisa. Combinado?
- Combinado.
Alguns dias depois, Paulo estava tomando o café da manhã quando Vera chegou.
- Bom dia!
- Bom dia Vera, venha tomar café eu acabei de passar.
- E a Sandra?
- Ela ainda está dormindo. Hoje eu preciso chegar mais cedo, teremos reunião de diretoria e quero repassar os slides antes da reunião começar. Da última vez tinha uma palavra escrita de forma incorreta, ai já viu né? Parece que no texto todo só se vê a tal palavra.
- Eu sei como é, já passei por isso.
- O plantão foi calmo?
- Foi, não houve nenhuma emergência para cirurgia. Fizemos apenas as visitas e acompanhamentos de rotina. Paulo eu queria me desculpar por outro dia, sai batendo a porta.
- Não se preocupe Vera, às vezes dá vontade de fazer isso mesmo. Mas tente entender a Sandra, ela gosta muito de você.
- Eu sei, pensei muito sobre o que ela disse e confesso que tenho evitado falar com ela sobre esse assunto.
- Olha Vera eu sei que você passou por um momento difícil, todos pensam que para nós homens ser posto de lado encaramos numa boa, mas não é assim não. O sentimento de perda, a frustração ou talvez a quebra do orgulho, é terrível.
- Quebra de orgulho?
- É orgulho. Quando somos feridos no nosso orgulho nos impedimos de olhar a vida com clareza. Digamos assim, ser passados pra trás é terrível para nosso orgulho, porque passamos a questionar o que fizemos de errado, nos culpamos pelo abandono, quando não temos culpa nenhuma. Quem nos deixou sem motivo ou sem uma palavra de despedida é que deveria estar preocupado com o porque e não nós.
- Falar assim parece fácil.
- Não é fácil não. Tente ver o outro lado. Será que se vocês tivessem ficados juntos teriam sido felizes? Onde está ele agora? E você? Onde está agora? Será que não é melhor ele voltar a vê-la linda como você está hoje? Será que você preocupada em só olhar para esse cara, não deixou algum coração partido?
- Você está sendo mais psicólogo do que a Sandra.
- Eu? Psicólogo? Não cunhada, sou advogado e aprendi a sempre olhar os dois lados na história. Agora preciso ir. Você trabalhou a noite toda e precisa descansar, eu vou encarar aquela turma da engenharia.
- Obrigada Paulo, tenha um bom dia.
Vera continuava sentada a mesa segurando uma xícara de café quando Sandra aproximando-se disse:
-Bom dia Vera, não ouvi você chegar.
- Bom dia Sandra, cheguei ainda a pouco, estava conversando com o Paulo, acordei você?
- Não, já estava na hora de levantar, daqui a pouco vou acordar as crianças para irem a escola.
- Sandra você contou pro Paulo sobre o Luiz Otávio?
Sandra sentiu-se ruborizar:
- Contei sim Vera, aquele dia que você saiu batendo a porta eu estava furiosa com você e acabei contando para o Paulo.
- Acho que você fez bem. Sabe seu marido parece ter o poder de convencer as pessoas a tomar decisões que estavam suspensas.
 É o Paulo é muito bom com as palavras  e consegue enxergar detalhes que muitas vezes nos passam despercebidos.
- É isso mesmo, sabe ele me fez ver que tenho agido com uma certa infantilidade desde que me formei, você tem razão, vou ao jantar e se ainda houver tempo, vou rever minha vida.
Sandra levantou-se e abraçando a irmã disse:
- Puxa Vera que bom. Fico muito feliz com isso, tenho certeza que você vai encontrar alguém muito legal para dividir com você tudo o que a vida tem a oferecer.
 Obrigada mana, agora vou precisar de você preciso me atualizar com a moda, cabelo, maquiagem...
- Conte comigo Vera, você vai ser a mulher mais linda da noite.
No dia do jantar, Vera entrou na sala e todos a olharam admirados:
- Nossa tia Vera, você tá linda.
- Obrigada meu amor, consegui tudo isso com ajuda da mamãe.
Sandra respondeu:
- Nada disso, você é uma linda mulher, agora sorriso no rosto e confiança em si, vá ao jantar e divirta-se.
Paulo perguntou:
- Você vai dirigir ou quer que eu chame um taxi?
- Vou dirigir Paulo, não se preocupe.
- Bom jantar cunhada, divirta-se.
- Obrigada. Vocês são uns amores.
Chegando ao restaurante onde seria realizado o jantar, Paula observou que havia manobristas para estacionar o carro, enquanto ela orientava um deles sobre o alarme do carro, um homem aproximou-se e colocou-se ao lado dela assustando-a.
- Desculpe-me Vera, não tive intenção de assustá-la.
- Desculpe-me você sabe meu nome e eu me lembro do seu rosto, mas me perdoe quem é você?
- Meu nome é Arthur, lembra? Eu assistia às aulas de anatomia ao seu lado. Era a única aula que o Luiz Otávio não estava próximo a você.
- Meu Deus é claro, Arthur, me desculpe, é que faz tanto tempo.
- Pois é vinte anos. Eu perdi você no baile de formatura, mas hoje não vou deixa-la sair de perto de mim. Claro a menos que você me diga que seu marido ou namorado chegarão daqui a pouco.
Vera sorriu e disse:
- Eu não me casei e não estou namorando, mas você? Não se casou? Será que a sua namorada não está pra chegar?
- Não Vera, não me casei. Depois da formatura eu achei que você havia se casado com o Luiz Otavio. Fiz residência aqui no Brasil e quando terminei recebi um convite para ir para o Canadá, voltei ao Brasil este ano.  Alguns dias atrás eu o encontrei e ele me disse que vocês tinham se separado logo após o baile. Quando recebi o convite para o jantar renovei minhas esperanças de que a encontraria e aqui estou.
- Por que você não se casou?
- Porque não encontrei ninguém que despertasse em mim a emoção que você despertou quando estávamos estudando.
- Você nunca disse nada, eu jamais percebi ...
- Eu sei, você só tinha olhos para o Luiz Otávio, eu não podia fazer nada apenas ama-la de longe. Como disse um poeta certa vez: “ se naquele tempo eu soubesse o que sei agora eu não teria perdido você”, eu teria ido atrás de você quando a vi correr para o carro do seu pai e ir embora antes da valsa dos formandos terminar.
- Puxa Arthur que palavras lindas, será que ainda a tempo pra nós?
- Tenho tanta certeza disso que adiei meu retorno ao Canadá apenas para estar aqui esta noite com você.
- Obrigada, você não sabe como suas palavras estão sendo importantes na minha vida. Se eu tivesse mais maturidade na época certamente não teria fugido do baile, mas sim voltado e aproveitado aquela noite.
- Então vamos aproveitar esta noite e deixar que o tempo se encarregue de nos mostrar o que faremos a seguir.
Assim Vera e Arthur, de mãos dadas, entraram no restaurante onde reencontraram os amigos que não viam há exatos vinte anos.
Cristina Cimminiello




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